terça-feira, 18 de outubro de 2011

2 poemas de Gregório Duvivier

Além de ótimo ator e comediante, o cara manda bem na poesia


gênese II 


No princípio era o verbo
uma vaga voz sem dono
vagando pela via láctea

Depois veio o sujeito
e junto com ele todos
os erros de concordância.



¨
quando se perde um braço ou uma perna 


quando se perde um braço ou uma perna
o membro perdido continua a coçar, reza
a lenda e a revista super interessante, e eu
que nunca amputei um braço ou uma perna
mas já perdi de vista algumas partes de mim
mesmo de vez em quando sinto coçar pessoas
que eu perdi de vista porque foram morar longe
cansaram-se de mim ou morreram de desastre

Manifesto


Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
- Nossa primeira e última palavra –
Os poetas desceram do Olimpo.
Para os nossos antepassados
A poesia era um objeto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.
Diferente de nossos antepassados
- E o digo com todo respeito... –
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como os outros
Um pedreiro que constrói seu muro
Um construtor de portas e janelas.
Nós conversamos
Na linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.

Ademais, uma coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torcida.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos estes senhores
- E o digo com muito respeito...-
Devem ser processados e julgados
Por construírem castelos no ar
Por esbanjarem o espaço e o tempo
Redigindo sonetos à lua
Por agruparem palavras ao azar
Conforme a última moda em Paris.
Para nós, não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.
Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu abanado.
Propiciamos a mudança
A poesia a olho nu
A poesia a peito aberto
A cabeça de cabeça descoberta.
Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser assim:
Uma garota rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.
Porém, no plano político
Eles, nossos avós imediatos,
Nossos bons avós imediatos!
Refrataram e se dispersaram
Ao passarem pelo prisma do cristal.
Uns poucos se tornaram comunistas
Não sei se foram realmente.
Suponhamos que foram comunistas,
O que eu sei é o seguinte:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.

Devemos dizer as coisas como são:
Somente um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Sempre que puderam
Declararam de palavra e de peito

Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um fracasso
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão,
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjetiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia calcada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias de poder fundar-se
Na revolução das ideias.
Poesia do círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
“Liberdade absoluta de expressão!”
Hoje nos persignamos perguntando
Para que escreviam essas coisas
Para assustar ao pequeno burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.
Como vão assustá-lo com poesias?!

A situação é a seguinte:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem.
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia chega para todos.

Nada mais, companheiros
Nós condenamos
- E o digo com respeito...-
A poesia do pequeno deus
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.
Contra a poesia das nuvens
Nós contrapomos
A poesia da terra firme
- Cabeça fria, coração ardente
Somos pés-no-chão decididos...
Contra poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo.


Nicanor Parra

domingo, 16 de outubro de 2011

Stalker, 1979













Agora o verão veio
E poderia não ter vindo
No sol está quente
Mas deve haver mais

Tudo aconteceu
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas
Mas tem de haver mais

Nada de mau se perdeu
Nada de bom foi em vão
Uma luz clara ilumina tudo
Mas tem de haver mais

A vida me recolheu
À segurança de suas asas
Minha sorte nunca falhou
Mas tem de haver mais

Nem uma folha queimada
Nem um graveto partido
Claro como um vidro é o dia
Mas tem de haver mais



Poema declamado no filme Stalker (1979), de Andrei Tarkovsky

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Idioma Invicto

há todos os dias enxames de palavras à margem
metáforas que respiram sobre a erva
e confidências ternas sobre o mês de Outubro
tudo regressa à raiz para ser seiva

assim exploro-me aspiro-me acompanho-me
assim pugno por nascer em cada fonte um grito

em cada tempo haja um ouvido que ouça mais dentro
em cada canto nasça um poeta que seja maldito mas profeta
em cada poema meu aconteça uma bebedeira profunda que vos tome na sua evidência
em cada olhar que um fogo arda indizível
que um cume se inquiete nos gestos sobre os grandes lábios da liberdade
que um caminho se abra em brutal emanação
e se vertam tempos em páginas de livros
no cio aberto nos nervos da manhã como idioma invicto



Fátima Meireles

Clube da Esquina em HQ

O Clube da Esquina virou gibi. O grupo formado em Minas Gerais por Milton NascimentoLô BorgesFlávio VenturiniWagner Tiso,Beto GuedesFernando BrantToninho Horta tem sua trajetória contada pelos próprios músicos, traduzida visualmente por Laudo Ferreira (roteiro e a arte) e Omar Viñole (cores).















Dá pra ler aqui